O artigo abaixo, de autoria do neoliberal David Magalhães, foi retirado de seu blogger (www.oliberal.blogger.com.br) e traz algumas curiosidades sobre os milicos, que talvez não sejam tão reacionários assim... O conteúdo nos convida a fazer uma reavaliação do papel do Exército nestes tempos de resistência ao neoliberalismo.


A Mentalidade Anti-liberal nas Forças Armadas
David Magalhães

15 de março de 1967 foi um divisor de águas entre a política econômica castellista - arquitetada por Roberto Campos (Ministro do Planejamento) e Otávio Bulhões (Ministro da Fazenda) - e as diretrizes desenvolvimentistas comandadas pela "linha-dura". Quando assumiu, em 1964, o ex-Presidente Castello Branco tinha como objetivos superar as crises administrativas e institucionais provocadas pelo conturbado governo de João Goulart. As propostas econômicas pautavam-se em manter a estabilidade monetária e estabelecer um relativo alinhamento com os EUA. Com a morte de Castello, os objetivos governamentais tomaram rumos distintos. Delfim Neto seria o novo czar da economia e um dos principais responsáveis por uma política de investimentos maciços na ampliação física e numérica de empresas estatais com base em empréstimos tomados no exterior.

O resgate do nacionalismo doentio deu-se com a ascensão de Costa e Silva ao poder, quando começaram a ficar explícitas as primeiras tensões com os EUA. A importação de capital estrangeiro era um dos grandes pontos de discordância que a equipe de Costa e Silva tinha com o governo "entreguista" de Castello Branco. O crescimento econômico que se daria a partir de 1967 aconteceria concomitantemente a um gigantismo estatal desenfreado.

A Segurança Nacional era a prioridade que guiaria tanto os rumos da política quanto os da economia. O AI-5, instaurado em 1968, cerceou as liberdades individuais, e a preocupação de controlar setores estratégicos acabou por canalizar para o Estado operações econômicas que poderiam ser muito mais eficientes se fossem desempenhadas pela iniciativa privada. Os dinossauros que se apossaram do poder acreditavam que o Estado deveria assumir o papel decisivo de principal agente econômico, em que o modelo desenvolvimentista, calcado na substituição de importações, acabou por culminar numa retomada nostálgica do varguismo (resgatando as teses do Gen. Horta Barbosa - líder da campanha "O petróleo é nosso"; do Gen. Mendonça Lima - Ministro dos Transportes durante o Estado Novo; e do Cel. Macedo Soares - Planejador da Usina de Volta Redonda).

Frente à investida estatista da linha-dura, os liberais recuaram, sendo, muitas vezes, acusados de apátridas, entreguistas e "vendidos". Em 1972, durante uma sessão de tortura, o Cel. Perdigão disse carinhosamente a alguns guerrilheiros: "Nós, os militares patriotas, verdadeiros patriotas, temos uma manobra em três tempos: os primeiros a serem eliminados serão vocês; em segundo, os membros do Partido Comunista e, depois, por fim, nos livraremos dos liberais que estão entre nós".

Outro exemplo da empreitada anti-liberal dos truculentos da linha-dura, foi quando, em 1982, ao saber que o pensador liberal Raymond Aron presumira que o sistema de planificação econômico soviético não tardaria a desabar, o Gen. Coelho Neto afirmou que "os liberais são tão perigosos quanto os comunistas, porque subestimam o comunismo"; não contente, prosseguiu dizendo: "Este Aron é um subversivo e não sabe nada de comunismo"

O regime militar caiu, mas o pensamento anti-liberal entre os militares ainda continua firmemente de pé. Basta recorrermos aos artigos e ensaios produzidos dentro da ESG (Escola Superior de Guerra) para notarmos que agora os tigrões de farda concentram suas atenções em investidas raivosas contra um tal de "neoliberalismo" que assola o país. Percebe-se de cara a sintonia do pensamento vigente no bojo das Forças Armadas com os postulados esquerdistas, na medida em que ambos clamam pelo estatismo e acusam os EUA pelo nosso subdesenvolvimento.

Em um trabalho do Cel. Roberto Monteiro de Oliveira, nota-se claramente seu posicionamento contra a privatização da Vale do Rio Doce (ocorrida em 1997), onde ele argumentou que "FHC não soube avaliar o enorme valor geopolítico e geo-econômico dessas decisões [relacionados a desestatização], principalmente os incidentes sobre a produção de metais escassos, raros, preciosos ou estratégicos." O que se vê, a bem da verdade, é uma grande confusão - premeditada - entre "controle estratégico" e gerência governamental. A jurássica Vale do Rio Doce nada tinha de rentável, pois, em seus 54 anos de existência como empresa nacional, pagou ao Tesouro Nacional um retorno anual de 0,09%. Tratava-se de em embuste estatal que deveria ter sido entregue a iniciativa privada muito antes de 1997.

Não diferente, a privatização das Telecomunicações também foi duramente contestada pelos militares. Em uma entrevista a revista Cadernos do Terceiro Mundo, o Almirante Fortuna (ex-comandante da ESG e ex-agente do Cenimar - órgão de repressão da Marinha) disse que "antes, a Embratel era senhora absoluta da satelitização do território brasileiro. Tinhamos, de forma independente, tecnologia e soberania. A venda da Embratel foi um erro extremamente grave." A despeito dessa demonstração de nacionalismo irresponsável, os números falam por si: antes da privatização, havia no país apenas 5 milhões de telefones celulares; hoje são 35,2 milhões (crescimento de 600%). Os telefones fixos chegaram a custar US$ 6 mil; hoje, a instalação custa em torno de R$ 70 na cidade de São Paulo. O número de linhas saltou de 19 milhões para 49,3 milhões, um crescimento de 153%. Frente ao repetitivo argumento de termos alienado parcela da soberania por vulnerabilizar um setor estratégico, surge a pergunta que não quer calar: como, em caso de uma emergência bélica, haveria mobilização eficiente se, antes de quebrar o monopólio da Embratel, 98% das propriedades rurais, 80% das habitações urbanas, 46% dos estabelecimentos comerciais e industriais não tinham telefones?

Segundo Chico Santos, da Folha de São Paulo, "A Petrobrás foi, na maior parte desses 50 anos, uma espécie de Feudo dos militares." Não é pra menos: dos 18 Presidentes que empresa teve até 1989, 14 eram fardados. A gigante monopolista ainda continua sendo motivos de elucubrações fetichistas, o que ofusca a capacidade de análise acerca de sua rentabilidade, impossibilitando-se enxergar nada que esteja para além do ufanismo tupiniquim. Porque os militares não nos respondem o motivo pelo qual consumimos uma das gasolinas mais caras do mundo? Porque será que é tão difícil perceber que os monopólios estatais são a forma menos eficiente e mais irracional de organização econômica? Além desses verdadeiros gigantes não serem tão rentáveis quanto, por exemplo, também são antidemocráticas, pois privam o empresário de investir e o consumidor de escolher.

Já o Cel. Manoel Cambeses Júnior acredita que "a ideologia neoliberal, nos países em desenvolvimento, perpetua a exclusão social, incrementa o apartheid tecnológico e desmantela as Forças Armadas". O que diria Hayek se soubesse que estão classificando de neoliberal um país que controla 40% da vida econômica dos seus cidadãos?

Não bastasse o ataque incisivo ao livre mercado, os militares guardam também um profundo sentimento rancoroso contra os norte-americanos, similar ao dos esquerdistas ressentidos. Em uma coletânea destinada a estudos sobre a Amazônia, em um capítulo redigido pelo Cel. Frederico Pamplona, intitulado Amazônia, guerra de resistência, vê-se claramente o ódio contra os EUA. Envolto por surtos fantasiosos e devaneios conspirativos, o tigrão fardado descreve como será a atuação do Exército brasileiro contra a invasão ianque na tão cobiçada Amazônia: "A agressão dos grotescos monstros microcéfalos do norte jamais terá sucesso... Já que eles não conseguiram derrotar o minúsculo Vietnã, como vão se haver com a resistência do gigantesco Brasil? Que venham! As Forças Armadas e o povo brasileiro certamente terão condições de repeli-lo. A vitória definitiva poderá demorar, mas será inevitável. O meio ambiente muito hostil é um grande triunfo nacional. Tenho apenas dó dos nossos aliados campañas que terão braba indigestão com sangue envenenado por gás carbônico de suspeitíssima procedência, fedendo a Ketchup e Hambúrguer".

Conta-se nos dedos os militares que não compartilham desse ressentimento terceiro-mundista. Entre eles encontram-se, por exemplo, Felix Maier e Antonio Coutinho e Mario Cesar Flores, que, na medida do possível, denunciam as burrices latentes no seio das Forças Armadas, que se estendem, ainda, à histeria ideológica a respeito da globalização (os fardados tomam-na como imposição do neoliberalismo pelos países do Norte), da ALCA (têm-na como um projeto de anexação ianque) e da Base de Alcantra (a qual o governo "neoliberal" tucano queria, para o desespero dos militares, entregar aos EUA).

Compactuo com o professor Olavo de Carvalho quando ele disse que "as Forças Armadas são a espinha dorsal da nacionalidade brasileira"; porém, é deprimente saber que uma instituição de tamanha importância e responsabilidade vem se corroendo por idéias retrógradas e já abatidas pelo tempo e pelos fatos.